Apresentação de relatório está prevista para 6 de junho e votação para meados de julho, mas final da transição para o novo sistema deve acontecer somente em 2030

A adoção de um imposto não cumulativo e cobrado no destino (Imposto sobre Valor Agregado, o IVA) é o futuro do novo sistema tributário que vai ser implantado no Brasil. A dúvida é: qual modelo de IVA vai ser adotado no país? A briga no Congresso é grande.

O secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, defende a adoção de um modelo único para União, estados e municípios. Mas, em entrevista exclusiva à CNN, ele reconheceu que a adoação do modelo dual teria mais chances de viabilizar politicamente a reforma tributária.

O modelo do IVA único substituiria cinco impostos: os atuais IPI, PIS, Cofins (federais), o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Já o dual ficaria dividido em um IVA para os impostos federais (IPI, PIs Cofins) e outro IVA para os estaduais (ICMS) e municipais (ISS).

Hoje o temor de estados e municípios é que a adoção de um IVA único signifique perda de autonomia sobre os recursos destinados na arrecadação destes impostos.

“Há tem uma certa desconfiança muito mais das próprias administrações tributárias, que temem que a Receita Federal controle seus impostos e por isso querem ter a competência de arrecadação. Não tem tem fundamento isso, mas, como existe essa sensação, acho que o encaminhamento do IVA dual seria mais provável”, diz.

Para o secretário, o tema passa por desconfianças federativas, o que faz o IVA dual ter mais chances de aprovação sobre o IVA único.

“Eu acho que é o mais provável, embora quem vá decidir é o Congresso Nacional. Para as empresas, a diferença entre os dois modelos é muito pequena. A ideia é que a nova legislação seja ou totalmente uniforme ou o mais próximo possível entre os dois modelos e, portanto, não haveria complexidade muito grande para as empresas”, afirma o secretário.

 

Haddad vai participar das negociações

Para Appy, há grande chance da reforma ser aprovada ainda neste semestre na Câmara dos Deputados. Para o dia 6 de junho está prevista a apresentação do relatório do grupo de trabalho, já com as diretrizes da reforma.

“Uma semana depois seria apresentado o substitutivo, o novo texto, e a perspectiva é votar até o final do semestre legislativo, em meados de julho. Essa é a intenção apresentada pelo presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira”, afirma.

Segundo ele, as próximas semanas vão ser intensas em negociações. O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai participar delas.

Mas a transição para o novo sistema tributário não deve ser rápida diz Bernard Appy. O sistema tributário atual é muito complexo e a transição para um sistema simples vai demandar tempo. A intenção é fazer a mudança de todos os tributos federais em meados de 2025, dependendo do prazo de aprovação da lei complementar.

Já a transição do ICMS/ISS aconteceria a partir de 2028.

 

“Aí, precisaríamos de alguns anos até completar toda a transição. O nosso sistema é extremamente distorcido, e a gente não consegue, do dia para a noite, mudar tudo porque isso teria efeito muito grande sobre empresas que fizeram investimentos levando em conta o sistema tributário atual”, pontua.

Para Appy, o fim da transição deve ocorrer apenas entre 2030 e 2031.

“Até lá, esperamos ter criado um sistema muito mais eficiente do que a gente tem hoje e muito mais atrativo para investimentos”, diz.

 

Do Oiapoque ao Chuí

Por causa da burocracia tributária hoje no Brasil, as empresas gastam cerca de 1.500 horas só para calcular o pagamento de impostos. São milhares de normas tributárias. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, se essas normas fossem impressas em papel A4 com letra Arial 12, teríamos que ter folhas suficientes para ir do Oiapoque (AP) ao Chuí (RS).

As normas tributárias em vigor equivalem a um livro de 122 milhões de páginas. Por causa dessa complexidade, empresas médias e grandes gastam R$ 180 bilhões de reais por ano para pagar setores inteiros dedicados à área tributária.

“Em empresas desse porte no Brasil, hoje, é preciso ter pelo menos entre 60 a 200 pessoas atuando nisso. Em outros países são 5 pessoas”, diz Appy.

“A burocracia tributária brasileira é a maior do mundo. Isso vai cair. Hoje, 75% do PIB está em litígio, contencioso. O Brasil é o país que tem o maior litígio tributário do mundo também. A reforma tributária vai ainda desonerar investimentos e exportações, e países que tem bons IVAs não tributam investimentos, não tributam exportações”.

O secretário pontua que o atual sistema de tributos cria “situações completamente absurdas”.

“Por exemplo, há casos em que um benefício tributário faz o caminhão com produtos sair do estado A, pra ir pro estado B levando uma mercadoria e voltar para o estado A, pra reduzir tributos. A empresa que está fazendo isso está, hoje, sendo racional porque ela está economizando tributos. Mas, para o país, é óbvio que o sistema tributário está gerando situações completamente irracionais”, explica.

Alguns pontos tem sido mais polêmicos e precisam ser equacionados, segundo ele. Para viabilizar a reforma tributária, é preciso criar um imposto sobre valor adicionado que seja o mais homogêneo possível.

“Mas a gente sabe que, para viabilizar politicamente isso, vão ter que ser feitas algumas concessões para alguns setores. Então, acho que esse é um dos lados que precisa ser equacionado para viabilizar a aprovação. Os setores que têm aparecido claramente nessa negociação são o agronegócio e o de varejo de alimentos. Mas há também setores como os de saúde e educação, que muito provavelmente precisarão ter um tratamento diferenciado para viabilizar a aprovação da reforma tributária”, disse ele.

De acordo com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), hoje, 98% dos produtores rurais são de pessoas físicas e, por isso, não são contribuintes diretos do PIS, Cofins, IPI e de ISS. A confederação argumenta que, no novo modelo, todos irão ter que pagar a mesma alíquota estimada em 25%.

A outra questão importante é a federativa. Segundo Appy, hoje, a reforma tem o apoio dos pequenos municípios e grande parte dos estados.

“Praticamente todos os governadores dos estados estão apoiando a reforma tributária, embora tenha ainda algumas questões que gostariam de ter mais clareza para poder confirmar esse apoio. Por exemplo, como vai ser o fundo de desenvolvimento regional que deve substituir a atual política de benefícios fiscais, considerada ineficiente. E ainda tem alguma questão com os grandes municípios. Mas tem tido muito diálogo, e espero que, em breve, a gente tenha também o apoio deles”, diz o secretário.

 

Mais transparência

Segundo ele, na média, a carga tributária para o consumidor vai ser mantida. Mas vai haver uma redistribuição dela.

“Alguns bens e serviços serão menos tributados do que são hoje. Por exemplo, telecomunicações e energia elétrica. Outros serão mais tributados. Mas na prática, para o consumidor, vai ter uma redução de preço, porque hoje ele está pagando pela ineficiencia tributária. O custo burocrático para pagar impostos acaba virando custo que é repassado para o preço. E o consumidor tá pagando por isso. A tendência é que o preço para o consumidor acabe caindo na média por conta da eliminação das ineficiencias do sistema atual”, diz o secretário.

No caso da energia elétrica, que seria um dos setores menos tributados, segundo o secretário, um estudo da Associação Brasileira dos Distribuidores mostra que se os tributos não estivessem na própria base da formação de cálculo, hoje, a conta de luz poderia ser reduzida em até 20%, cerca de R$ 40 bilhões a menos de gastos.

A alíquota proposta para o IVA, de 25%, segundo Appy, é necessária para manter a atual arrecadação. Foi a alíquota a que se chegou para que a reforma tributária não significasse aumento nem diminuição da tributação no país. A idéia é simplicação. Entretanto, segundo a Tax Foudation, essa alíquota seria uma das mais altas entre os países que adotam o IVA.

A taxa média na Europa é de 21% e, entre os países da Organização para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), 19%.

“É verdade que a gente estaria entre os maiores, mas o Brasil já está pagando isso de uma forma totalmente torta e, ainda, pagamos isso de uma maneira sem transparência. As pessoas pagam um preço altíssimo sobre consumo e não sabem quanto estão pagando porque o sistema brasileiro, hoje, é tão complexo que é impossível você saber, de fato, o quanto foi pago de imposto ao longo da cadeia produtiva e de comercialização de qualquer bem e serviço. Então, o que nós estamos fazendo é dar transparência sobre o preço que o Brasil já paga hoje sobre o seu consumo”, diz.

O secretário, porém, pontua que a mudança deve levar ao fortalecimento da economia e do mercado de trabalho.

“Mas a diminuição dessa burocracia tributária e dos custos vindos delas é que podem dar ganhos para as empresas e consumidores. Depende muito da projeção do PIB, mas, numa hipótese conservadora, ao longo de dez anos de reforma tributária, devemos aumentar em 7% o emprego e ter um aumento de 12% do poder de compra do consumidor nesse período, além do que teríamos na reforma tributária”, afirma.

 

Imposto de renda

Segundo o secretário Bernard Apppy, tributos diretos, como o imposto de renda, devem fazer parte da segunda fase da reforma tributária, que ele espera que aconteça no segundo semestre deste ano. A proposta, diz ele, não está detalhada.

“Mas o objetivo é tornar o sistema brasileiro mais justo, ou seja, cobrar mais imposto de pessoas de alta renda, que hoje são pouco tributadas, e desonerar a classe média. Também queremos corrigir distorções que acabam gerando ineficiências. Hoje, na tributação da renda, a gente tem muitas brechas que permitem que famílias de maior renda paguem pouco imposto de renda no país. E acho que temos que trabalhar para fechar essas brechas e tornar a tributação mais justa no nosso país”.

E o governo já está trabalhando nisso. Uma dessas brechas deve ser fechada em 2024. Este ano foi aprovada a tributação dos investimentos no exterior realizados por pessoas físicas com residência no Brasil.

A partir do ano que vem essa tributação vai ser cobrada sobre fundos, títulos de renda fixa, depósitos. Ações offshores (empresas abertas em paraísos fiscais para administrar recursos no exterior) também fazem parte do pacote.

 

Fonte: CNN Brasil