A terminologia “venda de direitos originados” de créditos usada nos projetos que pretendem “legalizar” esse esquema esconde que o que está sendo vendido é o fluxo da arrecadação tributária, o que acarretará rombo incalculável
Há décadas a sociedade brasileira clama por uma Reforma Tributária, pois o Brasil tem um dos modelos tributários mais injustos e regressivos do mundo.
Enquanto um mendigo que recebe moedas na rua e vai a uma padaria comprar um lanche paga diversos tributos embutidos no preço de seu lanche, banqueiros e grandes empresários que chegam a receber dezenas de bilhões de reais em lucros distribuídos não pagam um centavo sequer!
O projeto de lei PL 1981/2019 propõe a tributação dos lucros distribuídos aos sócios, cuja arrecadação estimada alcançaria R$ 85 bilhões por ano! Somente o Brasil e a Estônia não tributam lucros distribuídos aos sócios; todos os demais países tributam. Mas isso não está na pauta dos debates!
Grandes fortunas também não são tributadas no Brasil! Esse tema também não entra na pauta dos debates. O PLP 9/2019 propõe a cobrança de apenas 5% ao ano sobre as parcelas das grandes fortunas que excederem R$ 20 milhões, de pessoas que recebem mais de 320 salários mínimos por mês, ou seja, estamos falando de quem é muito rico – apenas 0,09% dos declarantes de Imposto de Renda no país. Essa tributação poderá gerar uma arrecadação tributária de cerca de R$ 38,9 bilhões por ano.
As propostas de Reforma Tributária em andamento no Congresso Nacional (PEC 110/2019, PEC 45/2019) não tocam nos temas acima e, ainda por cima, afetam o financiamento da Seguridade Social ao propor a transformação de contribuições sociais em imposto, acabando assim com a vinculação constitucional.
Ainda que conseguíssemos aprovar uma reforma tributária justa, estamos correndo grave risco de os tributos arrecadados serem desviados para investidores privilegiados, antes de alcançarem os orçamentos públicos! É disso que se trata o esquema fraudulento da chamada “Securitização de Créditos Públicos” embutido no PLP 459/2017 e na PEC 438/2018.
O PLP 459/2017 prevê a entrega do fluxo de arrecadação tributária em troca de adiantamento de recursos muitas vezes menor que o fluxo cedido. Em Belo Horizonte, conforme comprovado por CPI da PBH Ativos S/A, o município recebeu R$ 200 milhões de adiantamento (dívida contratada ilegalmente) e, em troca, comprometeu-se a desviar os impostos arrecadados no valor de R$ 880 milhões + IPCA + 1% ao mês sobre os R$ 880 milhões; não sobre o valor recebido! Além do escândalo do desvio dos recursos, que frauda toda a legislação de finanças do país, o dano financeiro é gigantesco, tornando esse negócio totalmente insustentável e extremamente arriscado.
A PEC 438/2018 insere o mesmo esquema da “Securitização de Créditos Públicos” de forma despistada, misturado com vários outros assuntos. Mas está lá, no art. 115, II, e, item 2 de seu texto, acrescentando ainda, no § 3º do mesmo artigo, que a cessão onerosa dos créditos não configuraria dívida, o que é mentira, conforme manifestação de diversos órgãos de controle federais e estaduais e também fartamente comprovado durante os trabalhos da CPI da PBH Ativos S/A em Belo Horizonte, que teve acesso aos contratos, escrituras e documentos referentes a esse modelo de negócios e comprovaram cabalmente a assunção de garantias públicas e até indenizações pelo ente federado.
Não existe garantia mais robusta que a própria entrega do fluxo da arrecadação tributária aos investidores privilegiados que adquirirem as debêntures emitidas pela nova empresa estatal (SPE) que está sendo criada para operar o esquema! O desvio de arrecadação se dá para o pagamento, por fora dos controles orçamentários, da dívida ilegal e onerosíssima, contraída sob a forma de adiantamento de recursos.
A terminologia “venda de direitos originados” de créditos usada nos projetos que pretendem “legalizar” esse esquema esconde que o que está sendo vendido é o fluxo da arrecadação tributária, o que acarretará rombo incalculável aos orçamentos de todos os entes federados, em todos os níveis (federal, estadual, distrital e municipal) comprometendo o funcionamento do Estado e a prestação de serviços para gerações atuais e futuras.
Tendo decifrado esse grave esquema financeiro, a Auditoria Cidadã da Dívida tem feito grande campanha para popularizar o seu conhecimento, e convocar a população para ligar, enviar mensagens e pressionar deputados(as) federais sob todas as formas para rejeitar o PLP 459/2017 e a PEC 438/2018. Participe você também!
*Maria Lúcia Fattorelli é auditora fiscal
Texto originalmente publicado no site Extra Classe