A ministra do STJ Regina Helena Costa, que preside o grupo, diz que propostas serão apresentadas em 180 dias
A regulamentação de mecanismos de autocomposição, como conciliação, mediação e arbitragem, está na mira da Comissão de Juristas que tem como objetivo reformar os processos administrativo e tributário. Em entrevista ao JOTA, a presidente do grupo, ministra Regina Helena Costa, integrante da 1ª Turma e da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmou que a comissão também estuda mudanças na Lei de Execuções Fiscais, sendo urgentes alterações relacionadas à possibilidade de prescrição intercorrente para redirecionamento da Execução Fiscal e a inclusão de responsáveis tributários já na Certidão de Dívida Ativa (CDA).
Instalada no dia 17 de março, a comissão tem 180 dias para enviar propostas de alterações legislativas para os presidentes do Senado e do STF. As audiências públicas com especialistas tiveram início no dia 30 de março, e os interessados poderão enviar sugestões por e-mail até 6 de maio.
Integram a comissão advogados, acadêmicos e integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e do Tribunal de Contas da União. A ministra Regina Helena Costa reconhece que a diversidade de especialidades será um desafio durante os trabalhos do grupo.
“Só é crível a existência de um trabalho que se propõe pensar a melhoria do regramento das soluções de litígios a partir da diversidade de ideias. Nesse cenário, é natural e esperado que a diversidade dos profissionais que compõem as subcomissões apresente maior dificuldade em um consenso para o fechamento dos textos relativos às proposições legislativas”, afirma.
Leia abaixo a entrevista concedida com exclusividade pela ministra ao JOTA, na qual ela narra os objetivos, desafios e prazos da comissão:
Quais os principais objetivos da comissão? Qual a expectativa da senhora com a sua instalação?
A Comissão de Juristas, criada pelo Ato Conjunto dos Srs. Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal n. 1, de 2022, possui como principais objetivos elaborar anteprojetos de proposic?o?es legislativas que dinamizem, unifiquem e modernizem o processo administrativo e tributa?rio nacional, no prazo de 180 dias, a contar de sua instalação. Minha expectativa com a realização deste trabalho, de grande envergadura e relevância, é a excelente oportunidade para reflexão e apresentação de sugestões endereçadas ao aperfeiçoamento da disciplina normativa do processo administrativo nacional, bem como de temas inseridos no âmbito do chamado Direito Processual Público, com destaque para as medidas de redução de litigiosidade.
O intuito é aprimorar o regramento dessas relac?o?es processuais no a?mbito do direito do Estado, do direito público, administrativo e tributa?rio, tanto em sede administrativa quanto em sede judicial, bem como no que tange aos mecanismos de solução consensual, extrajudicial de conflitos, nessas searas. Nesse sentido, a atualizac?a?o e a uniformizac?a?o da legislação pertinente serão as tônicas a serem perseguidas no desenvolvimento dos trabalhos.
Quais serão os próximos passos da comissão?
A Comissão de Juristas foi dividida em duas “Subcomissões”, o Dr. Valter Schuenquener é o Relator da Subcomissa?o de Direito Administrativo e o Dr. Marcus Lívio Gomes o Relator da Subcomissão de Direito Tributa?rio. Ambas apresentaram seus calendários e o escopo de trabalho para seus membros.
Na primeira reunião identificaram os pontos controvertidos e realizaram a indicação dos responsáveis por cada um dos temas. No dia 30 de março ocorrerá a primeira audiência pública, para que representantes da comunidade jurídica, com expertise nos respectivos temas, possam contribuir com os debates. E paralelamente, entre os dias 21 de março e 06 de maio, nós receberemos propostas por e-mail, via consulta pública, para que a sociedade possa cooperar com os trabalhos desta Comissão.
No dia 26 de maio ocorrerá uma reunião intermediária, na qual serão apresentadas as propostas aprovadas em relação a cada um dos temas, com o objetivo de votar o que será transformado em texto de projeto normativo. No dia 23 de junho teremos a reunião final da Comissão, para apresentação do texto próximo do definitivo para redação final durante o mês de julho. No final de agosto o texto final será apresentado aos Srs. Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal.
Já é possível dizer quais pontos devem ser objeto de eventuais anteprojetos de lei?
O trabalho desta Comissão divide-se nos âmbitos das respectivas Subcomissões. Em relação à Subcomissão de Direito Tributário, os pontos de trabalho são os seguintes: (1) Lei de Custas do Poder Judiciário Federal: normas gerais sobre a cobrança de custas dos serviços forenses no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, e o controle de sua arrecadação; (2) Decreto 70.235/72: propostas de revisão; (3) Lei de Execução Fiscal: propostas de revisão; (4) Normas Gerais de Autocomposição Tributária: proposta de normas gerais sobre a solução consensual da controvérsia, estimulando a negociação, a conciliação, a mediação ou a transação tributária, extensível à seara extrajudicial e, (5) Normas Gerais de Processo Administrativo Tributário para inclusão no CTN: Princípios e Diretrizes. Conceitos. Fases. Duplo grau.
Quanto à Subcomissão de Direito Administrativo, temos como foco: (1) Regime jurídico do ato administrativo: proposta de revisão; (2) Silêncio da Administração Pública: proposta de regramento; (3) Lei n. 9.784/99: proposta de revisão; (4) Direito Administrativo Sancionador: proposta de regramento; (5) Audiência Pública e Consulta Pública no Processo Administrativo: proposta de revisão; (6) Análise de Impacto Regulatório: proposta de regramento; e (7) Processo digital: proposta de aprimoramento.
No seu discurso durante a instalação da comissão a senhora citou que o Poder Público é um dos maiores litigantes do país, o que contribui para a morosidade do sistema atual. O que é necessário para alterar essa realidade? É possível reverter esse cenário a partir de alterações legislativas?
Estimular a educação tributária, ampliar as possibilidades de composição de litígios tributários e promover mais mecanismos de interação entre Fisco e contribuinte. Esses pontos, inclusive, estão entre os principais achados da pesquisa “Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário”, divulgada recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça. As raízes de tais constatações passam certamente pela ausência de disposições legais que versem sobre tais assuntos, o que acaba por gerar um cenário de incerteza, notadamente no âmbito da Administração Pública. Conferir segurança jurídica, em meu sentir, é o caminho apto a possibilitar a reversão do problema anunciado.
Na primeira reunião da comissão a senhora citou que um dos temas a serem estudados pela comissão é a autocomposição, com o incentivo a instrumentos como a mediação, a conciliação e a arbitragem. Como garantir que os contribuintes não saiam em desvantagem, aceitando acordos, por exemplo, para encerrar processos nos quais veem chance de ganhar, mas não querem encarar uma longa espera no Judiciário ou na esfera administrativa?
O próprio objetivo da autocomposição é assegurar e promover maior liberdade e reconhecimento da vontade das partes envolvidas, promovendo mais cooperação e confiança. Assim, a promoção da automposição já representa uma garantia aos contribuintes, pois eleva a autonomia e reconhecimento dos interesses de todos envolvidos no processo. Além disso, uma legislação que construa possibilidades de procedimentos consensuais de maneira transparente e que se preocupe em dispor sobre princípios orientadores, limites de atuação do Fisco e direitos e garantias dos contribuintes é capaz de possibilitar que os contribuintes não saiam em desvantagem.
A senhora também citou a necessidade de aprimorar a Lei de Execuções Fiscais. Quais alterações são urgentes na legislação?
É fundamental refletirmos a respeito de possível controle da legalidade do lançamento pela Fazenda antes do ajuizamento e/ou da extração da CDA [Certidão de Dívida Ativa] para análise do crédito a ser potencialmente inscrito em dívida ativa, bem como sobre as disposições referentes à garantia e à eficácia suspensiva dos Embargos à Execução Fiscal. De igual importância a reflexão sobre a possibilidade de prescrição intercorrente para redirecionamento da Execução Fiscal e sobre a inclusão de responsáveis tributários já na CDA, bem como sobre o formato de utilização de ações antiexacionais em concomitância com a Execução Fiscal.
A comissão reúne profissionais de diferentes áreas, que muitas vezes podem estar em lados opostos quando se fala em litígio tributário. Isso pode dificultar a chegada de consenso na hora de propor alterações na legislação?
A reunião de profissionais das mais diversas áreas de atuação, seja na Subcomissão de Direito Tributário ou na Subcomissão de Direito Administrativo, possui o condão de abordar os temas, objetos de estudo, sob os mais distintos ângulos, com as mais vastas atuações e percepções do assunto em pauta. A congregação de especialistas que atuam em lados opostos é sinônimo de transparência, amplitude do debate e respeito aos interesses das partes envolvidas nas relações jurídicas afetadas pelo trabalho desta Comissão.
Só é crível a existência de um trabalho que se propõe pensar a melhoria do regramento das soluções de litígios a partir da diversidade de ideias. Nesse cenário, é natural e esperado que a diversidade dos profissionais que compõem as subcomissões apresente maior dificuldade em um consenso para o fechamento dos textos relativos às proposições legislativas. No entanto, somente assim, em última análise, será possível contribuirmos para que o País possa ter uma disciplina jurídica mais aperfeiçoada, para que tenhamos mais justiça, e uma justiça de maior qualidade.
Fonte: JOTA